Como identificar necessidades futuras?

“Because its purpose is to create a customer, the business has two – and only two – functions: marketing and innovation. Marketing and innovation create value, all the rest are costs.”

Peter Drucker

Em meados dos anos 80 o marketing tradicional dava sinais de enfraquecimento. O enfoque no produto, na empresa e no marketing de massas já não respondia de forma adequada às expectativas dos marketers, gestores e accionistas. A questão que se colocava na altura – e, muitas vezes, ainda hoje se coloca – era como re-inventar o marketing para dar resposta às necessidades de um mundo cada vez mais dinâmico, global e competitivo? Muitos gestores de marketing acreditvam que a solução passava por dar maior voz ao cliente. Isto é, que os departamentos de marketing deveriam contribuir para deslocar a atenção dos gestores do produto/empresa para o cliente. Em vez de pensarem no marketing mix como um conjunto de instrumentos capazes de “manipular” o mercado a seu favor, as empresas começaram a pedir aos marketers que concentrassem os seus esforços no estabelecimento de relações duradouras com clientes valiosos. Surgiam, assim, novos paradigmas como o marketing relacional (Berry 1983; Grönroos 1994) e o marketing orientado para o mercado (Kohli e Jaworski, 1990; Narver e Slater, 1990).

Clientes e Necessidades Futuras

Image under creative commons Flickr user: jacilluch

Image under creative commons Flickr user: jacilluch

Em 2004, dois dos proponentes do conceito de Orientação para o Mercado (Narver, Slater e MacLachlan 2004) defenderam a necessidade de interpretar o conceito de forma lata, de forma proactiva. Isto é, as empresas deveriam olhar não apenas para a sua clientela actual mas, sobretudo, tentar pensar, planear e oferecer soluções para necessidades latentes dos seus consumidores, actuais ou futuros. Parecia um trabalho hercúleo para marketing researchers…. como recolher informação valiosa sobre necessidades inexistentes? Sobre nichos de mercado ainda por explorar?

O Conceito de Lead Users

Foi nesta altura que algumas empresas e investigadores académicos uniram esforços (um tipo de colaboração que, na minha opinião, deveria ocorrer com bastante maior frequência). Em particular, a colaboração entre a 3M e Eric Von Hippel, professor de inovação na Sloan School of Management do MIT, resultou no desenvolvimento de métodos – nomeadamente, entrevistas semi-estruturadas – capazes de recolher informação sobre necessidades futuras do mercado.

A ideia é perceber as necessidades de clientes especiais – aqueles a quem Von Hippel chamou lead users (Harv.Bus.Rev.). Na Lead User Analysis, as entrevistas são vistas como a principal forma de interagir com os lead users e obter informação sobre necessidades latentes o mercado.

Lead users são consumidores que têm, a certa altura, necessidades bem mais exigentes do que o resto do mercado.  Porém, estas necessidades acabam, muitas vezes, por se difundir pelo mercado (Hippel 1986). Um exemplo clássico é a indústria das bicicletas de montanha. As primeiras “mountain bikes” foram desenvolvidas por entusiastas (na altura considerados, loucos) que gostavam de descer montanhas, na Califórnia, de bicicleta. Para melhorar a segurança deste seu passatempo, estes “lead users” começaram a adaptar as bicicletas utilizando travões e pneus de motorizadas, por exemplo. Da paixão destes “lead users” surgiram as primeiras bicicletas de montanha. Deram-se os primeiros passos numa indústria que haveria de crescer imenso tornando-se num mercado que envolve, hoje em dia, milhões de dólares.

Mas existem outros exemplos de inovação gerada a partir de lead users em diversas indústrias. Empresas que consigam dialogar com os lead users podem ter acesso a informação valiosa sobre a evolução do mercado, e sobre necessidades latentes na maioria dos consumidores (mas já expressas pelos lead users). É nesta interpretação que é importante a experiência e o conhecimento de mercado do gestor. A informação acerca das necessidades dos lead users deve ser avaliada de forma crítica para averiguar se tais necessidades se tratam de necessidades que podem estar latentes no mercado ou, pelo contrário, se reflectem idiossincrasias nas preferências desse grupo especial de consumidores (ver vídeo abaixo).

O site de Eric Von Hippel (http://web.mit.edu/evhippel/www/) é uma excelente fonte de informação para quem estiver interessado em descobrir mais.

Referências

  • Berry, Leonard (1983). Relationship Marketing. American Marketing Association, Chicago, 146.
  • Grönroos, Christian (1994), “From Marketing Mix to Relationship Marketing – Towards a Paradigm Shift in Marketing,” Management Decision, 32 (2), 4-20.
  • Hippel, Eric von (1986), “Lead Users: A Source of Novel Product Concepts,” Management Science, 32(7), 791-805.
  • Kohli, Ajay K. e Bernard J. Jaworski (1990), “Market Orientation: The Construct, Research Propositions and Managerial Implications,” Journal of Marketing, 54 (2), April, 1-18.
  • Narver, John C. e Stanley F. Slater (2004), “The Effect of A Market Orientation on Business Profitability,” Journal of Marketing, 54, October, 20-35

Nota: Post originalmente publicado (e ligeiramente adapatado) por mim no blog cienciamkt